Há muito tempo que não me sento para escrever. Há muito tempo que não me enquadro. Há muito tempo que me queixo, que praguejo, que me farto, que desapareço e que volto como quem regressa a um velho vício.
Foi a minha relação tóxica com as redes sociais, como consumidora dos seus conteúdos e perfis e estórias mal contadas, que me levou necessariamente a pensar sobre “como, quando e onde” eu quero comunicar com as pessoas que acompanham o meu trabalho. Não havia como virar as costas à internet inteira, nem acho que isso seja necessário ou desejável. Teria que ser “na internet” mesmo.
Passaram-me muitas semanas pelas mãos - ocupadas e indecisas, lentas e investigadoras - mas decidi avançar com o projecto de vos abrir este Caderno. Tenho outros tantos espalhados entre a estante, a gaveta e a caixa de memórias que guardo no fundo do armário do quarto.
O meu primeiro caderno (na altura chamava-lhe diário) foi-me oferecido num natal luandense, quando tinha 9 anos, pela minha madrinha Júlia. Lembro-me da capa num amarelo desbotado (ou será que foi do tempo?) e do trinco metálico com chave, que garantia a segurança dos meus maiores segredos. Quando se esgotaram as páginas, alguém me ofereceu o segundo. Era lilás e ligeiramente maior. Mais tarde, comecei a escrever em cadernos mesmo, sem trinco e sem chave. Guardava-os na caixa de memórias onde coleccionava bilhetes, fotografias, cartas, postais e poeminhas. Abrindo a caixa, encontrava-se logo uma nota com um aviso explícito e maiúsculo: “STOP. NÃO MEXER.” Enfim, não custava tentar apelar à consciência dos meus “housemates”: a minha mãe, o meu pai e a minha irmã mais nova.
Durante a faculdade, já em Lisboa, escrevi muito em folhas brancas, avulso, no impulso, sem ordem, nem paginação. Sempre me irritou o facto de começar sempre com linhas elegantes e limpas, com letra pequena, proporcional, ordenada, para depois descambar num traço gordo e profundo, que vincava o papel como braile e me deixava o pulso dorido. Não era bonito mas era simbólico. Nessa altura, os segredos transformaram-se num espaço de reflexão e desabado mais elaborado. As temáticas, sendo honesta com vocês, não eram assim tão diferentes das daquele diário primeiro.
E havia ainda as cartas. De vez em quando volto a elas, quando abro a tal caixa de memórias que guardo no fundo do armário do quarto. Cartas de amor, todas. Amor no sentido lato e real do termo. O e-mail veio roubar o lugar das cartas mas eu continuei a imprimir, durante um tempo, os e-mails que não queria perder. O que não queria esquecer. E guardava tudo na caixa de memórias, entulhada, quase sem poder fechar.
Como na minha vida sempre co-habitaram cadernos e cartas, decidi que para além deste espaço aqui, o Caderno, há também a Carta: uma newsletter exclusiva para assinantes. A diferença? Pensem neste Caderno como um palco numa praça pública e pensem na Carta como, talvez, a minha sala de estar. Ou a cozinha, que é onde acontecem as melhores conversas.
Não sei, não sabe ninguém onde isto vai dar. Não tracei um caminho, ou regras, não marquei a periodicidade, o formato, o género: nada. Vou improvisar, por enquanto. Afinal, essa sempre foi para mim a melhor parte da música.
[Fotos: Fradique]